Capela Sistina: o templo cristão que se tornou referência mundial para a história da arte.

Sabemos que na Itália, muito frequentemente, religião e arte se encontram. A Capela Sistina, no Vaticano, além de ser um dos templos mais importantes da Igreja Católica, se tornou símbolo da arte renascentista italiana.

Localizada no Palácio Apostólico, residência oficial do Papa na Cidade-Estado do Vaticano, é em seu interior que realiza-se o Conclave, processo de eleição do novo Papa, o que para a doutrina católica significa a escolha do sucessor do apóstolo Pedro.

Adentrar na Capela Sistina é realmente uma experiência marcante, devido à riqueza de detalhes e à grandiosidade das obras de arte com as quais nos deparamos. A maioria dos visitantes permanece por muito tempo no local, a contemplar seus afrescos.

Um dos fatos mais impressionantes é que os afrescos parecem estar em 3D, ou em alto relevo, desde as falsas cortinas das paredes, que parecem verdadeiras, até o teto pintado por Michelangelo, o qual utilizou a técnica trompe l’oeil, para causar essa impressão. Trompe l’oeil significa, em francês, “engano do olho”, e foi denominada assim justamente por proporcionar essa espécie de ilusão de óptica. 

Se você é um apreciador da arte, ousamos dizer que estar na Capela Sistina é como estar, literalmente, no céu!

Neste artigo fizemos um apanhado histórico da constituição da Capela Sistina, bem como elegemos os pontos mais importantes a se saber sobre esse precioso templo, principalmente no que tange à obra de Michelangelo Buonarroti.

Como tudo começou

A Capela Sistina possui esse nome devido ao Papa Sisto IV, o qual  exerceu as atividades de pontífice entre os anos de 1.471 e 1.484. A decoração iniciou-se quando o então Papa teve a iniciativa de reformar a antiga Capela Magna, começando pela pintura das paredes, o que foi realizado por um grupo de pintores formado por nomes como Pietro Perugino, Sandro Botticelli, Domenico Ghirlandaio e Cosimo Rosselli. As altas paredes da construção foram então divididas em três grandes faixas, e desta divisão se originaram:

Na parte mais baixa as ¨falsas¨ cortinas (que parecem de verdade), na faixa do meio as histórias de Moisés (Antigo Testamento) e de Cristo (Novo Testamento), e na faixa mais acima os retratos dos pontífices. Essas temáticas estão presentes na entrada e nas paredes norte e sul da Capela.


Interior da Capela Sistina.Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Ainda durante esta primeira decoração do século XV iniciada pelo Papa Sisto IV, o teto da Capela Sistina foi pintado como um céu estrelado por Pier Matteo d’Amelia.

Terminada a decoração, o Papa Sisto IV dedicou e consagrou oficialmente a Capela à Assunção da Virgem.

A obra de Michelangelo

Após permanecer com a inicial decoração descrita acima por um tempo, foi o Papa Júlio II (pontífice entre os anos de 1.503 e 1.513) quem decidiu modificar a decoração da Capela Sistina parcialmente. Foi assim que Michelangelo Buonarroti foi chamado, em 1.508, para iniciar seu magnífico trabalho, reconhecido mundialmente.

O jovem artista, hoje considerado gênio por muitos, aceitou a tarefa, mesmo sendo um escultor e não um pintor. Ele ficou responsável, neste primeiro momento,  pela decoração do teto da capela. 

Sendo assim, a parte central da abóbada foi dividida em nove partes, cada uma delas contando um episódio da história de Gênesis, iniciando pela criação, passando pela decaída humana e chegando ao dilúvio e à nova humanidade iniciada com a família de Noé. 

Michelangelo levou apenas quatro anos para concluir sua majestosa obra, concluindo-a em 1.512! O fato que também impressiona é que, para alcançar a altíssima abóbada da Capela Sistina, o artista precisou trabalhar sobre enormes andaimes, tendo que ficar em posições extremamente desconfortáveis para realizar sua arte.

A nova Capela Sistina foi inaugurada com uma missa solene pelo Papa Júlio II no dia 1º de novembro do mesmo ano.

O teto da Capela Sistina e a história da criação


Teto da Capela Sistina. Foto: Life On White | Getty Images – Canva

Os nove quadros dispostos ao longo da parte central do teto estão divididos em três grupos de três. Os primeiros três episódios são: A Separação da Luz das Trevas (Gênesis, 1, 1-5), A Criação dos Astros e das Plantas (Gênesis, 1, 11-19) e A Separação da Terra das Águas (Gênesis 1, 9-10).


A Separação da Luz das Trevas. Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Os próximos três quadros correspondem à Criação de Adão (Gênesis, 1, 26-27), Criação de Eva (Gênesis, 2, 18-25) e o Pecado Original com a consequente expulsão do paraíso (Gênesis, 3, 1-13 e Gênesis 3, 22-24).


O Pecado Original e a Expulsão de Adão e Eva do Paraíso.Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Por fim, os últimos três afrescos correspondem ao Sacrifício de Noé (Gênesis, 8,15-20), ao Dilúvio Universal (Gênesis, 6, 5-8, 20) e à Embriaguez de Noé (Gênesis 9, 20-27).


O Sacrifício de Noé.Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Rodeando as histórias centrais, encontram-se vinte figuras masculinas nuas sentadas, conhecidas como os Ignudis, e também dez escudos em tons de dourado e bronze, cada um deles com uma pintura em seu interior, das quais não se tem referência precisa sobre seu significado. Não se sabe, também, se há uma razão específica para a presença dos Ignudis, tampouco o que eles representam.


Ignudo.Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Para além dos nove quadros centrais, Michelangelo optou por representar figuras de Profetas(Zacarias, Joel, Isaías, Ezequiel, Daniel, Jeremias e Jonas) e Sibilas (Délfica, Eritreia, Cumana, Pérsica e Líbica), destacando-se na ponta que corresponde à porta de entrada o profeta Zacarias, e o profeta Jonas, o qual está na ponta sobre o altar.

Profetas (homens) e Sibilas (mulheres) teriam sido pessoas que, de forma antecipada, anunciaram a redenção da humanidade. Os Profetas o teriam feito através do anúncio da vinda de Cristo para o povo de Israel, e as Sibilas, por sua vez, as quais pertenciam ao mundo pagão, através de seus dotes adivinhatórios. Alguns historiadores acreditam que a inserção de figuras pagãs por parte de Michelangelo teria sido uma forma do artista criticar a Igreja.

Os Profetas e as Sibilas estão intercalados com oito triângulos, nos quais estão retratados os antepassados de Cristo. Os ancestrais de Cristo são também o tema que Michelangelo elegeu para pintar as lunetas que estão na parte mais alta das paredes, sobre as janelas.


Sibila Líbica. Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Nos quatro ângulos do grande teto retangular, Michelangelo retratou quatro episódios da salvação milagrosa do povo de Israel.


Judite e Holofernes. Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

A Criação de Adão

Dentre os afrescos pintados por Michelangelo, ¨A Criação de Adão¨ (foto de capa deste artigo) foi a obra mais difundida e reproduzida mundo afora, devido à sensibilidade, inspiração e criatividade do artista em representar este episódio da Bíblia. ¨A Criação de Adão¨ é considerada uma das mais importantes obras de arte já feitas.

Capela Sistina
A Criação de Adão. Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Nela, Deus aparece representado como um senhor barbudo de cabelos brancos, na medida em que teria criado o ser humano à sua imagem e semelhança. O criador encontra-se vestido com um manto branco, o qual contorna seu vigoroso corpo. Ele está cercado por anjos e com seu braço esquerdo abraçando uma figura feminina (que em algumas interpretações seria Eva, que ainda estaria aguardando sua descida ao firmamento).

Adão, por sua vez, se encontra nú, semi-deitado e inclinado em direção a Deus, olhando-o e esticando a ele seu braço que está apoiado sobre o seu joelho.

O ¨insight¨ genial e diríamos, também, bastante poético de Michelangelo, foi a representação dos dedos de Deus e do homem quase se tocando. A pequena distância que existe entre ambos seria suficientemente preenchida com um pequeno gesto do ser mortal em esticar-se um pouco mais, tocando assim o dedo divino. O que isso significa? Não ousamos aqui definir uma resposta, pois ela é dotada de mistério, mas uma das principais interpretações é a de que o homem ainda estaria sem vitalidade neste momento precedente ao toque de Deus, direto e enérgico, que viria por lhe conferir a vida.

Uma curiosidade sobre a ¨Criação de Adão¨ é que, em 1990, o americano Frank Lynn Meshberger afirmou que o manto vermelho no qual Deus, a figura feminina, e seus anjos estão envoltos, possui o formato de um cérebro humano (incluindo o lobo frontal, nervo óptico, glândula pituitária e o cerebelo). Existem algumas outras especulações sobre supostos órgãos humanos que estariam camuflados nos afrescos de Michelangelo na Capela Sistina, já que o mesmo era um conhecedor de anatomia.

O Juízo Universal

Foi por volta do final do ano de 1.533 (período considerado como Renascimento Tardio) que o Papa Clemente VII decidiu, por mais uma vez, modificar a Capela Sistina. Assim sendo, entregou a Michelangelo a parede do altar, na qual foi retratado o episódio bíblico do Juízo Universal (ou Juízo Final em algumas traduções). A obra iniciou-se, porém, em 1.536 e sob o pontificado do Papa Paulo III, findando-se em 1.541.

Os novos afrescos de Michelangelo acabaram por cobrir os antigos, do Séc. XV, pintados por Perugino, os quais retratavam a Virgem Assunta entre os apóstolos e também os dois primeiros episódios das histórias de Moisés e Cristo.

O Juízo Universal foi então pintado de forma a representar o retorno glorioso de Cristo, tendo como base os textos do novo testamento: Mateus, 24, 30-31; Mateus, 25, 31-46 e Carta aos Coríntios I, 15, 51-55.


O Juízo Universal. Foto: Commons Wikimedia (domínio público).

Convém ressaltar que os afrescos da Capela Sistina foram restaurados entre os anos de 1979 e 1999.

Esperamos que tenham gostado dessa breve apresentação da Capela Sistina. Caso ainda não a tenha adentrado, aconselhamos fortemente que aprecie cada partezinha de sua magnífica e histórica decoração. Se já esteve por  lá, uma nova visita é sempre inspiradora e surpreendente, não é mesmo? Pois são tantos detalhes que vale a pena voltar! Renascimento e Igreja realmente fizeram uma bela dupla e o resultado foi esse presente para os olhos e para o coração.    

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Foto de capa: A Criação de Adão. Commons Wikimedia (domínio público)

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