Provavelmente você conhece, mesmo que não presencialmente, uma das estátuas mais famosas do mundo: o David de Michelangelo, o qual encontra-se na Galleria dell’Accademia, em Florença. Mas você sabia que existem mais estátuas de David espalhadas pela nossa amada “cidade-berço” do Renascimento?
Nas próximas linhas te contaremos um pouco sobre eles, no intuito de que você possa desfrutar, da melhor maneira possível, de sua próxima viagem com destino à capital da Toscana!
A beleza e a força do David de Michelangelo
David, de Michelangelo Buonarroti, não poderia estar em outro lugar que não fosse Florença, nossa tão amada cidade que resplandece arte por todos os cantos. A aclamada obra traz consigo o brilho próprio de ser um dos símbolos mais emblemáticos da arte renascentista, um dos maiores orgulhos, não só de Florença, mas de toda a Itália.
Na verdade, além das inúmeras réplicas espalhadas pelo mundo, existem três Davids de Michelangelo em Florença, sendo um deles o original, e duas cópias fiéis. Em todas elas, a beleza de David se constitui na riqueza de detalhes que formam sua postura, seu olhar, seu semblante corajoso que reflete a mente de alguém que está prestes a enfrentar sua principal e mais difícil batalha, a batalha decisiva, a batalha de vida ou morte. Será que David, na concepção de Michelangelo, estava com medo diante de seu desafio? Provavelmente sim, afinal, a coragem jamais residiu na ausência do medo, mas, justamente, na aposta de vencê-lo com bravura, apesar das circunstâncias que, no caso de David no episódio bíblico, eram as piores possíveis.
Michelangelo optou por retratar o herói nos momentos precedentes ao seu conflito com Golias, dado que o mesmo encontra-se segurando uma pedra na mão direita e um estilingue apoiado sobre o seu ombro esquerdo. Sendo assim, o fato de David ter sido esculpido com traços que não eram agressivos, como, por exemplo, exibindo a cabeça de seu adversário, chama a atenção por causar uma impressão de força sutil, ou mesmo delicada, porém, nem por isso, menos intensa.
O David representado pelo então jovem artista nos passa sim essa sensação de leveza, mas, ao mesmo tempo, é possível perceber uma tensão que sobressalta em relevo seus músculos e veias. A figura de seu corpo imprime um encanto que esconde, enigmaticamente, uma extrema força.
As heroicas histórias que se misturam
Assim, ousamos afirmar que a história da estátua original de David se mistura com a de seu próprio criador, na medida em que Michelangelo recebeu o bloco de mármore em péssimas condições, proveniente da pedreira Fantiscritti de Carrara, tendo sido levado até Florença em um barco que percorreu o Mediterrâneo e o Rio Arno. O destino inicial da pedra era a sua participação em um projeto que daria forma à doze figuras que viriam a decorar a parte exterior da Catedral de Santa Maria del Fiore.
Estudos revelaram que, após sua chegada à Florença, a enorme peça passou por mãos de artistas como Agostino di Duccio e Antonio Rossellino, os quais desistiram da tarefa de esculpi-la. Foi neste imenso, frágil e deteriorado bloco de mais de 5 metros de altura, já rejeitado por muitos, que Michelangelo realizou sua obra-prima. Para Michelangelo, o bloco de mármore continha já em seu interior a escultura perfeita, restando para o escultor o trabalho de retirar o excesso que estava em seu entorno, liberando assim a forma aprisionada e escondida até então.
Tendo sido também glorioso em sua “batalha”, Michelangelo pode também ser considerado um herói (esse de carne e osso), na medida em que tornou o “impossível” possível e, mais do que isso, fez desse impossível uma realidade, reverenciada pela humanidade há mais de quinhentos anos.
Tratando-se de heróis, ressalta-se também o fato de que existem grandes semelhanças entre as características de David de Michelangelo e de outro herói bastante conhecido por todos: Hércules. Os florentinos identificavam-se muito com Hércules, o que pode ser comprovado pelo fato de que o mesmo estampou os selos da cidade por algum tempo. Acredita-se que Hércules tenha servido mesmo como inspiração para Michelangelo, pois a obra em questão foi realizada em um contexto em que Florença precisava renascer e reforçar sua identidade, após ter sido palco de inúmeros conflitos envolvendo a família Médici.
Assim, o resultado do admirável trabalho do jovem artista mede um pouco mais de 5 metros de altura e pesa mais de cinco toneladas. O David original foi esculpido em apenas três anos, entre 1501 e 1504, tendo sido a Piazza della Signoria o primeiro local para o qual foi levado, a céu aberto. Posteriormente, foi transferido para a Galleria dell’Accademia, onde permanece até hoje protegido das deteriorações do tempo, e sendo monitorado constantemente.
Mais um herói do Renascimento e seus Davids: Donatello
Donatello foi um dos escultores mais importantes do cenário florentino de sua época. Muito estimado por Cosimo de Medici, “il Vecchio”, Donatello exerceu forte influência em todo movimento renascentista italiano, sendo considerado um dos fundadores desta verdadeira revolução artística.
Assim como ocorreu com Michelangelo, o herói bíblico que derrotou o gigante Golias também serviu de inspiração para Donatello, o qual criou, não apenas um, mas dois Davids! Um deles foi feito em bronze e outro em mármore, e ambos encontram-se no Museu Nacional do Bargello, em Florença.
A estátua em bronze foi esculpida por Donatello por volta do ano de 1440, medindo 158 cm. Nesta obra, David está representado nu, com a cabeça de Golias aos seus pés, a espada na mão direita e a pedra que matou seu adversário na mão esquerda. Além disso, usa um chapéu pontiagudo decorado com uma coroa de louros, bem como botas com os dedos de fora, as quais alcançam seus joelhos e que alguns historiadores afirmam corresponder aos sapatos alados de Mercúrio, este último responsável por ter decapitado Argo Panoptes, o pastor gigante de cem olhos.
Seus cabelos são relativamente longos, sua cabeça está levemente inclinada para baixo e sua postura contém uma graça natural, demonstrando uma satisfação um tanto misteriosa. Seu semblante retrata uma alma reflexiva sobre seu recente feito, aparentando estar envolta em profundos pensamentos e demonstrando, até mesmo, segundo algumas interpretações, uma certa melancolia, mesmo diante de sua grande vitória.
Já o David de mármore feito por Donatello foi esculpido antes, em torno de 1408. Até ser posicionado em seu local atual no Museu Nacional do Bargello, passou pela sala dos Lírios do Palazzo Vecchio e também pela Galleria degli Uffizi. A obra possui 191 cm de altura e em sua base está escrito: “Pro patria fortiter dimicantibus Etia adversus hostes terribilissimos Dii prestant auxilium”, que significa: “os deuses apoiam os corajosos e combatentes por seu país também contra os inimigos mais temíveis”. A escritura não deixa de ser uma referência e um incentivo político à República Florentina, a qual fazia oposição a grandes potências italianas da época.
O David em mármore também encontra-se representado no momento posterior ao episódio bíblico de sua luta contra Golias. Seu semblante é orgulhosamente sutil e jovial, seu forte corpo está envolto em um manto, e a cabeça de seu oponente situa-se aos seus pés, ainda com a pedra que o derrotou inserida em sua testa.
Os outros Davids “de Michelangelo” em Florença
No que tange às réplicas que citamos no início deste artigo, uma das cópias fiéis de David encontra-se, justamente, na Piazza della Signoria, em frente ao Palazzo Vecchio, ocupando o posto originário da escultura. A outra cópia, por sua vez, está bem no centro de Piazzale Michelangelo.
A primeira delas foi encomendada ao artista Luigi Arrighetti, por meio de um concurso público com critérios bastante rigorosos. A réplica foi feita em tamanho real e idêntica à original, também em mármore. O David da Piazza della Signoria tem sido constantemente restaurado devido às deteriorações oriundas de sua posição a céu aberto, tendo a última restauração ocorrido entre 2008 e 2009.
Já o David que se encontra em Piazzale Michelangelo foi projetado pelo arquiteto Giuseppe Poggi e é feito em bronze. Giusieppe Poggi foi o responsável pela projeção de toda a praça, na época em que Florença era a capital italiana e encontrava-se em fase de amplitude e renovação de seus bairros. Como forma de homenagem ao gênio renascentista, o monumento inaugurado em 13 de setembro de 1875 está assentado sobre uma linda base de mármore, que, por sua vez, está disposta sobre uma escadaria que faz com que a obra fique ainda mais alta, assumindo uma posição de grande destaque. A base que está sob os pés de David conta com cópias de bronze de outras obras de Michelangelo, os chamados “Crepuscoli”: as estátuas da noite, do dia, do crepúsculo e do amanhecer, sendo que as originais encontram-se na Capela Médici na Basílica de San Lorenzo resguardando os túmulos de Giuliano di Lorenzo de’ Medici (noite e dia), e de Lorenzo di Piero de’ Medici (crepúsculo e amanhecer).
Em relação a esta réplica, a sensação que se tem é que David, em uma posição muito privilegiada, observa, como um guardião, a magnífica paisagem panorâmica de Florença, a qual inclui as margens do Arno, suas pontes (incluindo a histórica Ponte Vecchio), o Palazzo Vecchio, o Bargello, o campanário octogonal da Badia Fiorentina, as colinas de Settignano e Fiesole que estão para além da cidade e, é claro, a cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore. A visita a Piazzale Michelangelo realmente vale a pena!
Por fim, tratando-se do David (ou dos Davids), além das esplêndidas e monumentais obras de arte, fica para nós o aprendizado de que é possível, assim como o fizeram os heróis renascentistas florentinos, encontrar uma força dentro de qualquer “bloco” deteriorado, pois, na verdade, David já existia no interior dos blocos de mármore e bronze, Michelangelo e Donatello “apenas” retiraram o excesso, cada um a seu modo 😉
E então, qual seu herói favorito, que te inspira e que fomenta em você a coragem necessária para renascer com bravura?
Leia também:
- As Igrejas de Florença
- O Moisés de Michelangelo
- Capela Sistina: O templo cristão que se tornou referência mundial para a história da arte.
- Museus Vaticanos: 5 obras imperdíveis.
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Foto de capa: AlessandroColle | Getty Images – Canva