“Tinham razão os romanos que consideravam a trufa de origem divina: criada do raio sagrado de Júpiter e a ele cara, presente e degustada com apetite nos maravilhosos banquetes do Olimpo. Se, portanto, existe uma comida que merece o título de ‘divina’, é esta, com certeza, a trufa”.
(Licia Granello, jornalista)
Um pouco da história
As primeiras notícias sobre a trufa aparecem no livro Naturalis Historia, de Plínio, o Velho, um naturalista romano. Na Roma antiga, ela já estava presente nas receitas de Apicio, cozinheiro do Imperador Traiano. No século I d.C., o filósofo grego Plutarco criou a hipótese de que o precioso fungo tivesse nascido da ação combinada entre água, calor e raios. Daqui, vários poetas tiraram a sua inspiração; um deles, Juvenal, explicou que a origem do fungo, à época chamado de tuber terrae, se deu por um raio lançado por Júpiter perto de um carvalho (árvore considerada sagrada para o pai dos deuses).
Ao longo dos séculos, porém, não se sabia precisar se a trufa era um animal ou um vegetal, e chegou-se a acreditar, durante a Idade Média, que era alimento de bruxos e feiticeiros, sendo considerado um artigo venenoso. Apesar do misticismo que lhe foi atribuído com o reforço da crença religiosa, a trufa atingiu a glória graças à Catarina de Médici durante o Renascimento: foi ela a responsável por introduzi-la na corte de Henrique II, rei da França.
Mais tarde, em meados de 1700, a trufa foi muito apreciada pela corte piemontesa que encorajava a sua procura convidando nobres de toda a Europa a participar das buscas; assim, criou-se no imaginário coletivo a figura do trifolao (em dialeto piemontês) ou tartufaio, o caçador de trufas.
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O trabalho do tartufaio
Para caçar as trufas o tartufaio trabalha sempre acompanhado de um cachorro treinado para reconhecer o aroma característico, já que as trufas não podem ser cultivadas e são difíceis de ser encontradas – com exceção da trufa preta, e mesmo assim com muita dificuldade. São tão valiosas, que o tartufaio deve extraí-la com o máximo de delicadeza com um instrumento específico (o zappino) para não danificar as pequenas raízes e cobrir o terreno para permitir que um novo corpo frutífero se forme. Antigamente, era comum usar porcos pequenos pois tinham um faro excelente, mas a prática passou a ser proibida porque eles as danificavam com as patas ou o focinho e por questões de higiene.
Tubérculo ou fungo?
Inimitável, única e preciosa: a trufa ou túbera é erroneamente considerada por muitos um tubérculo. Na verdade, as trufas pertencem à família dos fungos, têm corpo frutífero subterrâneo, nascem e crescem espontaneamente entre as raízes de arbustos e árvores, em particular carvalhos e castanheiras, com os quais estabelecem uma relação simbiótica: sendo incapaz de fazer fotossíntese, a trufa captura os nutrientes das raízes das árvores e estas, por sua vez, extraem os sais minerais.
A trufa é uma iguaria é considerada muito nutritiva e saudável por conter cerca de 80 a 90% de água na sua composição e também é fonte de proteínas, hidratos de carbono e apresenta baixo teor calórico. O seu perfume típico e penetrante manifesta-se apenas quando amadurece e tem o objetivo de atrair os animais selvagens como porcos, javalis, raposas ou porcos-espinho, porque são eles justamente que acabam por propagar as sementes (chamadas esporas) para preservar a espécie.
Tipos de trufa
Existem cerca de 70 tipos de trufa, e na Itália encontram-se duas variedades principais: a branca, Tuber magnatum, e a preta, Tuber melanosporum.
Representando a variedade mais rara e premiada, a trufa branca é encontrada principalmente no Piemonte, mais especificamente em Alba, uma pequena cidade medieval, e pode chegar à incrível marca de 4 mil euros o quilo. As melhores safras ocorrem nos outonos chuvosos, pois elas precisam de muita umidade para crescer. A de coloração rosada é considerada uma das melhores para uso culinário devido ao aroma marcante e combina perfeitamente com massas, risotos e ovo. O formato varia de acordo com o terreno onde foi encontrada e pode chegar até 300g.
A trufa preta, por outro lado, pode ter o tamanho de uma avelã ou até o de uma batata, apresenta um aroma menos acentuado, um sabor mais forte e uma superfície mais rugosa, sendo mais resistente ao manuseio. O quilo oscila entre 350 e 800 euros. Ao contrário da branca, pode ser cultivada e lavada em água.
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A caça às trufas
É possível aproveitar a passagem por Alba para vivenciar a incrível experiência da caça às trufas pelos bosques e degustá-las no final para fechar com chave de ouro. Mas é preciso ir preparado, pois não é tarefa fácil ou rápida: muitas vezes é necessário acordar por volta das 5h da manhã, enfrentar o frio cortante do outono em lugares pouco convidativos, andar muito e ir equipado. O Consórcio de Turismo local oferece algumas opções para o passeio, desde a versão mais leve, em horários diferentes, caça em grupo, até a mais trabalhosa. Confira as opções aqui.
Alba, a cidade da trufa
A experiência não seria completa, e nem tão significativa, sem prestigiar a famosa Feira Internacional da Trufa Branca, já na sua 89ª edição e palco da maior exposição mundial de trufas encontradas nos arredores de Alba e Asti e nas colinas de Langhe, Roero e Monferrato, paisagens culturais declaradas Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO em 2014. A região também é famosa pela cultura vinícola.
O Mercado Mundial da Trufa Branca de Alba é o coração da Feira, e oferece atrações como o Alba Truffle Show, uma oportunidade de imersão para descobrir as características dos vinhos de Langhe, Roero e Monferrato e da trufa a partir de análises sensoriais guiadas por juízes do Centro Nazionale Studi Tartufo, que orientam como escolher uma trufa, como apreciá-la para aproveitar ao máximo o que ela oferece e como conservá-la, além de revelar os segredos desse artigo mágico durante as degustações; o Show Cooking com renomados chefs nacionais e internacionais e a Wine Tasting Experience. Ou seja, uma experiência memorável de cultura, gastronomia e diversão.
Para quem está viajando com a família, a Feira dispõe de um espaço lúdico e educativo, o Alba Truffle Bimbi, equipado com brinquedos educativos feitos de madeira e materiais naturais. Ali as crianças podem enriquecer seu repertório conhecendo as paisagens mágicas da região. É, de fato, uma oportunidade única.
Mergulhando ainda mais fundo na cultura local, é nessa época que a cidade se transforma em palco para várias festas folclóricas e se divide em nove “aldeias”, de acordo com suas cores, bandeiras e brasões. Na semana que antecede a inauguração da Feira, acontece a Investitura del Podestà, uma homenagem das aldeias à Senhora de Alba. Em seguida, o primeiro domingo de outubro é marcado pelo Palio degli Asini, uma corrida parecida com a que ocorre na cidade de Siena, mas muito mais divertida: basta imaginar quanto da teimosia dos burros interfere na competição. A Sfilata Medioevale é um convite a conhecer a cultura medieval num grande desfile em que cada aldeia propõe a representação de um episódio histórico da época. Para completar, times de um jogo medieval parecido com handball se desafiam na tradicional Pantalera Storica in Costume. Falando em desafios, o Festival della Bandiera nada mais é do que o confronto colorido entre alguns dos melhores times de sbandieratori, jogadores de bandeiras.
Um misto inesquecível de festas numa viagem para celebrar a cultura.
Foto de capa: Claudio Rampinini / 123RF