Bernina Express ou como se deslumbrar numa viagem a bordo do Trenino Rosso

Já pensou em fazer uma viagem no trem mais bonito do mundo pela rota declarada Patrimônio Mundial da UNESCO? É provável que você já saiba que se trate do Bernina Express (ou Trenino Rosso). O Bernina é um trem panorâmico que liga a cidade de Tirano, na Itália, atravessando os Alpes, à St. Moritz, na Suíça, fazendo também o percurso inverso. A experiência a bordo do Bernina Express foi considerada uma das dez melhores viagens de trem na Europa pela revista National Geographic.

História do Bernina Express

A história do Bernina começa no final do século XIX. A principal ligação para o transporte de mercadorias entre o Cantão dos Grisões (Suíça), e o vale de Valtellina (Itália) era o Passo del Bernina. Porém a população local demandava um meio mais rápido e seguro para transportar as mercadorias durante o inverno, pois o comércio e a locomoção ficavam suspensos em virtude das condições atmosféricas adversas. Já adentrando o século XX, começaria assim a construção que durou quatro anos (1906 – 1910) e gerou grande desenvolvimento e progresso tecnológico para a região. Em 1942, a linha passou a fazer parte do Sistema da Ferrovia Rética oficialmente e obteve o status de Patrimônio da UNESCO em 2008.

Trem Bernina Express percorrendo a ferrovia rética
Trem Bernina Express percorrendo a ferrovia rética. Foto: Danciaba / 123RF

O trajeto do Bernina Express

O trajeto é encantador do começo ao fim, e pode ser feito num único dia, ida e volta, com uma ou mais paradas, ou em até dois dias. Para realizá-lo, existem duas possibilidades, a depender do tempo disponível: pegar o próprio Bernina Express, sinalizado com a sigla BEX, ou os outros Trenini Rossi que são os regionais e um pouco mais lentos.

O Bernina é o único que possui vagões panorâmicos, parte apenas em três ou quatro momentos do dia e exige a reserva da passagem; não é possível descer em todas as paradas, apenas nas de Alp Grüm (o trem faz uma longa parada nesta estação. Aproveite para tirar lindas fotos panorâmicas!), Ospizio Bernina e Pontresina – tanto no verão quanto no inverno.

É importante saber que, uma vez que se desce do Bernina, não será possível pegar o próximo para completar o trajeto (a opção, então, é pegar um regional ou pagar pelo próximo Bernina – podendo embarcar apenas em Le Prese, Poschiavo, Alp Grüm e Ospizio Bernina no verão, e Le Prese e Alp Grüm no inverno). Neste caso, vale a pena fazer o trajeto inteiro de Tirano a St. Moritz para não perder a reserva do lugar.

Os trens regionais, por outro lado, são mais baratos, efetuam todas as paradas, porém não são panorâmicos. Não se preocupe! As janelas são abaixáveis e garantem também uma ótima apreciação da paisagem, além da facilidade de poder comprar a passagem na hora. Caso você queira descer em alguma parada, basta apertar um botão um pouco antes de sair; na estação, para pegar o próximo trem, não esqueça de fazer um aceno ao condutor a fim de entrar. Para aproveitar ao máximo a experiência, pegue o trem das 9h ou 9h40 e curta com calma tudo o que a viagem proporciona.

Parada Ospizio Bernina – Trem Bernina Express
Parada Ospizio Bernina – Trem Bernina Express – de Tirano a Saint Moritz. Foto: Stefan Ember/ 123RF

Há ainda uma terceira opção, especificamente para quem viaja de julho a agosto: dois vagões panorâmicos descobertos dos trens regionais, que aproximam ainda mais o turista do encanto do panorama. Ideal se organizar para chegar em tempo, já que neste caso não é possível realizar a reserva e os lugares são limitados.

Para quem prefere se aventurar um pouco mais e quiser fazer a viagem em mais dias, é necessário comprar a passagem especial (Pass dei Grigioni) que permite circular livremente por dois dias no período de uma semana. A vantagem é poder fazer todas as paradas desejadas e fazer mais vezes o mesmo percurso para lembrar de todos os detalhes. Clique aqui e reserve o seu.

Partindo de Tirano, o expresso mais lento da Europa passa por 13 estações. Janelas enormes se estendem até o teto do trem e permitem aos turistas contemplar paisagens de tirar o fôlego. Não se preocupe em perder os detalhes: a velocidade média do trem é de 30 km/h, ou seja, oportunidade é o que não faltará para registrar a beleza extraordinária dos lugares ao longo do trajeto.

Bernina Express.
Vagão panorâmico do trem Bernina Express. Foto: Stefan Ember / 123RF

Bernina Express – Início da viagem em Tirano

Antes de embarcar, reserve algumas horas para conhecer os arredores: Tirano é a única estação italiana da linha e a cidade, apesar de pequena, é marcada por cultura, arte, gastronomia e uma grande tradição vinícola – das cinco DOCGs presentes na Lombardia, duas pertencem ao vale de Valtellina: Valtellina Superiore e Sforzato di Valtellina.

Nos dias 14, 15 e 16 de setembro, acontece a quarta edição do Eroico Rosso Sforzato Wine Festival, evento que brinda a união entre enogastronomia, cultura e natureza com o famoso vinho Sforzato (Sfursat, em dialeto), DOCG obtido em 2003. Não deixe de conhecer o Santuario della Madonna di Tirano, igreja de estilo barroco construída em 1504 que presenteia os visitantes com um órgão do século XVII, de Giuseppe Bulgarini, escultor italiano.

Trajeto do trem Bernina – Santuario della Madonna di Tirano
Trajeto do trem Bernina Express – Santuario della Madonna di Tirano. Foto: AigarsR / Bigstock

As ruas e praças da cidade vão conduzindo o turista aos palazzi (Salis, Lazzaroni e Merizzi), residências de famílias nobres do local. Mas se o tempo estiver curto, aproveite o Trenino Giallo que faz um tour pelas ruas da cidade.

Já no trem, é possível ver o santuário logo na primeira curva. Prosseguindo a viagem, agora na Suíça, passamos por Campocognolo e Campascio, que recebem os passageiros no Cantão dos Grisões e começam a dar uma ideia da maravilha que nos aguarda: o viaduto espiral na parada em Brusio, construído para superar o desnível e alongar o percurso num espaço estreito, é uma obra-prima da engenharia que equilibra técnica e natureza.

Viaduto espiral na parada em Brusio – Trem Bernina Express.
Viaduto espiral na parada em Brusio – Trem Bernina Express. Foto: Demchishina Olga / 123RF
Vista do viaduto espiral na parada em Brusio – Trem Bernina Express
Vista do viaduto espiral na parada em Brusio – Trem Bernina Express. Foto: Danciaba / 123RF

Deixe a máquina ou o celular bem perto de você: a subida de 30 metros chama a atenção pelos “iglus” de pedra ao longo da montanha, os chamados crotti.

Crotti presentes no trajeto do Trem Bernina Express
Crotti presentes no trajeto do Trem Bernina Express. Foto: Stefan Ember / 123RF

A poucos passos do viaduto, é possível visitar a Casa Besta, uma casa rica em entalhes, estuques e afrescos pintados nos tetos. Pertencente a famílias influentes do local, hoje abriga o museu etnográfico, museu vinícola, arquivos históricos, biblioteca, entre outras coisas interessantes. Para quem gosta de história, é a oportunidade para visitar as igrejas católica, de 1617 (cujo estilo une toques de gótico e barroco), e a protestante, construída em 1635, em estilo barroco, por revolucionários logo após a perseguição contra protestantes.

Bernina Express: Poschiavo

Nas estações seguintes, o cenário muda e surpreende pelas incríveis cores do lago Poschiavo, situado no vale de Poschiavo entre as vilas de Miralago e Le Prese. Dica para os amantes da enogastronomia: no dia 1º de julho, acontece o passeio StraMangiada. De Le Prese a Poschiavo, os sete quilômetros de uma caminhada tranquila guiam os turistas pelas belezas naturais da Suíça e oferecem, em cada parada, algumas especialidades gastronômicas regionais e os vinhos de Valtellina.

Lago Poschiavo.
Lago Poschiavo, presente no trajeto do Bernina Express. Foto: Alberto SevenOnSeven / Bigstock

Na parada de Poschiavo, a charmosa cidade apresenta diversas opções: vários museus, entre eles o Poschiavino, localizado no Palazzo De Bassus-Mengotti, a Casa Tomé, com atividades relacionadas à cozinha tradicional e a Casa Console, sede de uma coleção de quadros do Romantismo alemão e suíço. No centro histórico, o visitante encontra o Merku, um local onde barracas características convidam a conhecer a produção alimentar e artesanal da cidade.

Praça central de Poschiavo nos Alpes suíços
Praça central de Poschiavo nos Alpes suíços. Foto: Stefan Ember / 123RF

Cavaglia

A partir daí, o Bernina Express continua entre pontes e túneis a viagem, andando “em círculos”. Aqui, atenção redobrada! Você vai precisar ir de um lado para o outro no vagão entre os túneis: o trem faz um giro de 180º, e o panorama que antes estava à direita agora está à esquerda. Chegando em Cavaglia, notam-se na montanha espetaculares depressões em forma de poço, as marmitte dei giganti, resultado da ação erosiva da água nas rochas durante o derretimento do gelo: atração garantida no parque geológico Jardim das Gelerias (Giardino dei Ghiacchiai).

As depressões na rocha nos Jardins das Geleiras.
As depressões na rocha nos Jardins das Geleiras. Foto: Stefan Ember / 123RF

O agradável centro histórico de Cavaglia é rico de monumentos e construções religiosas como o Santuario di Santa Maria del Babilone e o Oratorio di San Rocco. De 10 a 20 de agosto, a tradicional Festa dei Giovani é organizada pelos jovens habitantes e acontece desde 1518. Jantares, aperitivos, desfiles e espetáculos diversos tomam a praça da cidade no encontro entre as gerações.

Alp Grüm

A 2091 metros de altitude, a vista é algo espetacular: a geleira Vad da Palü e o seu respectivo lago e o vale dos Grisões. Aproveite para recarregar as energias no Restaurante Alp Grüm, no clássico estilo alpino, e se deliciar com a paisagem enquanto degusta os pratos da tradição montanhosa.

Vista da estação de Alp Grüm.
Vista da estação de Alp Grüm. Foto: Steven Van Aerschot / 123RF

Depois de Alp Grüm, na parada Ospizio Bernina, o refúgio homônimo (um albergue que recebe alpinistas e excursionistas que frequentam a montanha) foi usado por séculos como ponto de parada e transferência de mercadorias. Este é o ponto mais alto da rota do Bernina e a estação mais alta da Europa, encontra-se entre o Lago Preto e o Lago Branco, este fechado pelas majestosas geleiras de Cambrena e Diavolezza – uma das mais importantes estações de esqui da Suíça (na parada Bernina Lagalb), é também ponto de partida para trecckings e teleféricos (Bernina Diavolezza). Ainda não é suficiente? Pois saiba que é aqui que se encontra a jacuzzi mais alta da Europa!

Morteratsch

Em Morteratsch, muita cultura. Reza a lenda que na geleira de Morteratsch, um jovem pastor de nome Eratsch e Teresa, tão bonita que era chamada de “a rosa da montanha”, se apaixonaram. Entretanto, as diferenças sociais, as famílias e a decisão do jovem de combater longe de sua terra, os separaram. Teresa, desesperada pela distância, é tomada por uma depressão profunda e morre. Ao voltar, o jovem recebe a triste notícia e se retira para as montanhas até alcançar Isla Persa, de onde se joga. A partir daí, a terra começou a cobrir-se de gelo até o ponto de onde ele se jogou. Apesar da tristeza da lenda, Morteratsch (entre os montes Piz Zupò, Cresta Guzza e Piz Bernina) é de uma profunda beleza. Na frente da estação há um restaurante e é possível fazer uma excursão que leva à geleira.

Geleira de Morteratsch
Geleira de Morteratsch. Foto: VogelSP/ Bigstock

Pontresina

A poucos minutos de St. Moritz, a cidade abriga turistas e uma escola específica para aprender a escalar – a estação de esqui recebeu algumas etapas da Copa do Mundo de Esqui Alpino. Mas Pontresina não respira só esqui: é possível fazer excursões e fazer um passeio de charrete pelo vale de Val Rosegg. Há ainda as igrejas de Santa Maria e San Niculò e o Museu Alpino na antiga igreja Delnon.

St. Moritz

Enfim St. Moritz. A parada final dessa inesquecível viagem é famosa por suas águas termais e fica a 1800 metros do nível do mar. É um local que tem opções para todos os gostos. A rua principal é uma sucessão de lojas de marca.

Centro histórico de Saint Moritz, Suíça.
Centro histórico de Saint Moritz, Suíça. Foto: Buffy1982/ 123RF

Caminhe em volta do Lago de St. Moritz, cujas águas cristalinas são reflexo da incrível beleza da paisagem.

Lago de St. Moritz
Lago de St. Moritz. Foto: Gevision / Bigstock

Saint Moritz-Dorf é a parte alta da cidade, a mais exclusiva, por onde circulam artistas e políticos famosos; é onde se concentra a maior parte das lojas de grife, lojas e hotéis. É possível visitar a igreja protestante, o prédio da prefeitura (Rathaus) – logo à frente aproveite para conferir a Fonte São Maurício, criada em 1910 pelo escultor W. Schwerzmann em homenagem ao santo protetor da cidade –, a Torre Pendente do século XII fica a cinco minutos da praça principal, e a moderna Igreja Futura. A parte baixa da cidade, a Saint Moritz-Bad, foi se constituindo ao redor dos estabelecimentos termais. As termas, Kurhaus, são muito conhecidas e desde 1854 utilizam águas ricas em ferro. Reserve um tempo para o Museu de Segantini, dedicado a Giovanni Segantini, pintor italiano que passou seus últimos anos de vida em Engadina (vale situado ao leste dos Grisões).

Falando em Engadina, o festival de música clássica no melhor dos estilos, o Engandin Festival, apresenta grandes orquestras e jovens talentos a partir do dia 27 de julho até o dia 11 de agosto. Um dos eventos mais esperados do ano durante o verão é o festival de jazz. A edição deste ano acontece de 5 de julho a 5 de agosto, e conta com nomes novos e já conhecidos no panorama musical.

A sensação é de que apenas alguns dias não bastam para ver esse encontro entre natureza, cultura, arte e gastronomia. Não existe um melhor momento para o passeio: seja na primavera ou no inverno, você será presenteado com paisagens de sonho – desde os campos verdejantes e aldeias agrícolas até lagos congelados e majestosas montanhas cobertas de neve. Mas uma coisa é certa: esta viagem no Trenino Rosso vai te transformar.


Foto de capa: Andreas Stutz / Unsplash

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