Para além de Julieta, um guia para conhecer Verona

A cidade de Verona, apesar de sua história que retoma a Antiguidade Clássica, é comumente reconhecida, pelos não italianos, como a cidade onde viveram os ficcionais Romeu e Julieta, da aclamada obra de William Shakespeare e suas infinitas adaptações cinematográficas. Sim, é verdade que o autor inglês definitivamente colocou a pequena Roma, como é conhecida por lá, num lugar de destaque entre os destinos literários mais importantes do mundo. Entretanto, há muito mais por aqui que deve ser conhecido por quem visita a charmosa Verona.

Numa trajetória de mais de 2 mil anos, inclusive, Verona figura entre um dos Patrimônios Históricos da Humanidade da UNESCO, por conservar de forma exemplar sua arquitetura urbana e a qualidade material de suas construções. Conhecer Verona, assim, faz parte de um roteiro imprescindível para quem quer conhecer a própria história da Itália, em toda a sua intensidade e longa duração. Passear pelas ruas da cidade, para além do charme da narrativa de Shakespeare, deve acompanhar uma síntese que somente países tão eminentes historicamente como a Itália podem oferecer.

Panôramica de Verona. Foto: Lianem / 123RF

Um pouco de história de Verona

As origens históricas de Verona datam de uma Antiguidade longínqua, pré-histórica, quando era dividida entre gauleses e venezianos. Por questões de documentação, não se pode afirmar com certeza cada detalhe deste início de ocupação humana. Neste sentido, preferimos iniciar nosso relato já a partir do contato com a expansão de Roma, no século III a.C., quando romanos abordam os gauleses presentes na região.

De início, a partir do século IV a.C., como era de se esperar, romanos e gauleses se enfrentam militarmente, disputando o território valiosíssimo, sob o ponto de vista estratégico. Já no século II a.C, todavia, forma-se uma aliança entre estes dois povos, muito provavelmente na condição de resistir às invasões dos venezianos, redundando, a partir de 49 a.C., no estabelecimento de Verona como município de Roma, concedendo aos seus habitantes o status de cidadãos romanos.

A partir da formação da República Romana, o novo município conhece seu maior crescimento econômico da Antiguidade. É no período Imperial, entretanto, que recebe a construção de uma grande Arena, dedicada aos espetáculos mais importantes do período de ocupação romana e superando a marca de 25 mil habitantes, além de atrair ampla diversidade de visitantes estrangeiros.

Verona - Itália.
Verona – Itália. Foto: Gar1984 / Bigstock

Após ser vítima, assim como toda a estrutura imperial romana, de diversas incursões de povos estrangeiros, denominados pelos romanos de povos bárbaros, Verona, ao longo da Idade Média, conhece um longo movimento de mudanças de poder e sucessivos projetos de resistência. Verona, neste sentido, acaba reproduzindo a própria lógica medieval de instabilidade e fragmentação política, típicas do período.

Primeiramente, a partir do século V, é dominada pelos Ostrogodos, sob a égide de Teodorico, responsável por reconstruir as muralhas e defesas da cidade, até então destruída pela intensidade das inúmeras incursões bárbaras.

A seguir, passou por breve domínio bizantino, logo substituído pela longa duração da ocupação Lombarda, que, do século VI ao VIII, efetivamente causou maior impacto sobre Verona, que se tornou sede de um dos mais relevantes ducados da Lombardia, chegando a receber cerimônias políticas e religiosas das mais importantes do período.

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No decorrer do século IX, os lombardos caem sob a expansão territorial implacável do Império Franco, sob o comando de Carlos Magno, que concedeu Verona a seu filho, Pepino o Breve. No comando de Pepino, a cidade se torna um importantíssimo centro de despachos militares e formulação de legislação carolíngia.

Já no século XII, fiel ao Sacro Império Romano Germânico, Verona alcança sua autonomia administrativa, obtendo a concessão de Comuna. A relativa independência política e a consequente pacificação externa não duraram muito tempo.

Sintetizando uma luta intensa que cruzou toda a Itália, a Comuna acabou sendo um dos palcos principais de uma disputa simultaneamente religiosa e territorial entre o Papado Romano e a Dinastia Suábia pelo domínio do Sacro Império. Foi, inclusive, o enfrentamento entre Guelfos (defensores do Papado romano e fixados no espaço rural de Verona) e Gibelinos (defensores dos suábios e essencialmente urbanos) que inspirou a escrita de Romeu e Julieta, de William Shakespeare, já que uma das famílias veronesas mais importantes da segunda facção, os Montecchi, deu origem a casa dos Montéquio, família de Romeu.

Foi somente a partir do século XIII que Verona alcança certa pacificação, com a vitória dos Gibelinos. Sob a supremacia da família Della Scala, com Cangrande I, Verona alcança novo período de intenso desenvolvimento e esplendor. Seu novo senhor, tão renomado à época que mereceu destaque na seção do Paraíso, na Divina Comédia de Dante Alighieri, conquistou diversos territórios ao Norte da Itália, chegando às portas de Veneza. Após sua morte prematura, agora liderado por um de seus filhos, o território Veronese seguiu seu projeto de expansão, alcançando o Mar Tirreno. Verona somente cairia sob o domínio Veneziano no século XV, já no início da Era Moderna.

A Modernidade de Verona foi marcada pela pacificação Veneziana até o século XVI, período pelo qual passou sem grandes abalos militares, participando da grande conquista comercial de Veneza pelo Mar Mediterrâneo, entre a Europa e a Ásia. Paz somente interrompida ao longo do século XVII, quando soldados de origem prussiana, no contexto da Guerra dos Trinta anos contra os Habsburgo da Áustria, passam pelo território Veronese e deixam por ali um rastro de diversas doenças, incluindo a ainda temida Peste Negra. Para Verona, o resultado é devastador. Mais da metade de sua população foi contaminada e morta, chegando ao final do século XVIII com números populacionais absolutos ainda menores do que aqueles contabilizados antes da passagem dos germânicos pelo seu solo.

A etapa histórica de Verona no século XVIII é marcada pelo contexto da fase final da Revolução Francesa, já com a atuação do General Napoleão Bonaparte nas guerras pelo controle da fronteira francesa contra seus invasores europeus. A expulsão dos austríacos de Trentino, durante a campanha deste na Itália, obrigou diversos daqueles a se abrigarem na zona estratégica Veronese, atraindo o exército francês sucessivamente para o território na Península Itálica.

As recorrentes operações militares napoleônicas contra os austríacos transformaram a cidade em um campo de batalha resiliente, com centenas de mortos e a consequente divisão do território em duas partes, seguindo o curso do Rio Adige. A margem direita foi dominada pela França, a esquerda, pela Áustria. No início do século XIX a Áustria cederia todo o território para a França, já com Bonaparte liderando o seu Império em aberta expansão territorial, ocupando praticamente todo o Norte da Itália. Os austríacos somente retomariam Verona após 1815, com o Congresso de Viena, permanecendo assim até 1866, quando as tropas de Cavour retomariam todo o Vêneto, no contexto da unificação da Itália e consequente formação de seu Estado Nacional como conhecemos até os dias atuais.

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O que visitar em Verona

Mas, claro, toda essa história também deve ser aproveitada com uma estadia em Verona e uma passagem profunda pelos seus principais pontos turísticos. Conhecer historicamente um território só é possível se respiramos um pouco de seu ar, se avistamos com atenção aquilo que sobrou de sua trajetória no mundo. Portanto, a seguir, deixamos com você um pouco daquilo que não se pode perder durante sua visita por aqui.

Duomo de Verona

Fachada do Duomo de Verona.
Fachada do Duomo de Verona. Foto: Alberto Masnovo / 123RF

Após o terremoto de 1117, que devastou grande parte da cidade, duas igrejas cristãs deram lugar à construção de uma Catedral, que se tornou o principal templo religioso de Verona.

Dedicada à Santa Maria Assunta, o Duomo, erigido em estilo Românico, é parte de um complexo arquitetônico que inclui a Igreja San Giovanni in Fonte, a Catedral Santa Helena, a Biblioteca Capitular e o Museu Canônico. Além da visita religiosa e da contemplação da arquitetura românica – sempre dedicada à proteção militar, mesmo nos templos religiosos –, é possível admirar por aqui os restos arqueológicos mantidos em seu interior, numa valorização da história local que é um constante lembrete de como a Itália cuida de seu passado.

Arena de Verona

Arena de Verona
Arena de Verona. Foto: Tosca Weijers / 123RF

A Arena (Anfiteatro Romano) de Verona está localizada na Piazza Brà, a praça principal da cidade (que também merece uma visita). É certamente a atração mais importante por aqui, por se tratar de uma construção do século I e ser considerada até os dias atuais como o Anfiteatro romano mais conservado da atualidade. Foi construída inteiramente em calcário branco e rosa, formada por círculos concêntricos e marca o fim da liderança de Augusto, sucedido pelo Imperador Claudio. Foi utilizada para diversos fins ao longo de sua história milenar, de palco dos gladiadores a cenário para o casamento do eminente Antonio Della Scala e Samaritana da Polenta.

Piazza delle Erbe

Uma das praças principais da cidade é uma rica oportunidade para avistar diversos monumentos históricos que se localizam ao seu redor, oferecendo uma rica experiência para qualquer visitante internacional. Por aqui, você poderá conhecer o famoso chafariz de Nossa Senhora de Verona, o Palazzo della Ragione, a Torre dei Lamberti e o Capitel da cidade, símbolo da República de Veneza.

Piazza delle Erbe – Verona. Foto: Roberto Marinoni / Flickr

Durante a semana e aos sábados, a praça recebe uma feira livre muito diversificada, por onde caminham, lado a lado, turistas do mundo inteiro e os habitantes locais, com o objetivo de comprar artigos como roupas, lembranças para levar de volta ao país de origem, ou simplesmente para passear por entre a culinária local e seus panini, sorvetes, frutas e cafés. São inúmeros os restaurantes típicos em torno da praça, tornando a vivência no local algo inesquecível.

Torre dei Lamberti

Localizada ao lado da Piazza delle Erbe, a Torre foi construída no século XV, e composta por Tufo, tijolos e mármore. Em seu interior, com mais de 80 metros de altura, encontramos os sinos Rengo e Marangona. O primeiro serviria para alertar a cidade sobre a possibilidade de incêndio; o segundo, convocava seu exército para a formação militar de combate. Atualmente, é possível subir até o topo da Torre, o que oferece ao turista visão panorâmica privilegiada.

Feira Livre de Piazze delle Erbe, ao fundo, destaque para a Torre dei Lamberti. Foto: Bumbledee / 123RF

Piazza dei Signori

Outra praça importantíssima de Verona, também conhecida como Praça Dante. Além da estátua em homenagem ao maior escritor renascentista da Itália, Dante Alighieri – que em Verona encontrou abrigo, sob a proteção de Cangrande della Scala, após ser exilado de sua cidade natal, Florença –, abriga construções historicamente essenciais para o turista, hoje parte integrante da estrutura da prefeitura, como o Palácio da Razão, a Domus Nova e a Loggia del Consiglio, todos do século XV.

Piazza dei Signori, com Palazzo del Podesta e Loggia del Consiglio – Verona. Foto: Lorenzo Taccioli

Arche Scaligere

Também na Piazza dei Signori, a Arca de Scaligere é o mais relevante complexo funerário de Verona, além de um dos principais representantes da arquitetura Gótica em todo o mundo. Foi construído a partir do século XIV, com a função de guardar os restos mortais dos membros mais destacados da família Della Scala, incluindo o maior deles, Cangrande I, a quem Dante Alighieri dedica o Paraíso de sua A Divina Comédia.

Detalhe da Arche Scaligere, na Piazza dei Signori. Foto: Wikipedia.

Basílica de San Zeno

Menor, se comparada ao Duomo, a Basílica é uma das edificações em estilo Românico mais importantes não apenas de Verona, como de toda a Itália. Pouquíssimo conhecida pelo grande turismo que visita a cidade todos os anos, é uma oportunidade imperdível para aqueles que passam por aqui. Sua história remonta ao século IX, com a ocupação dos Ostrogodos, porém sua edificação atual foi finalizada apenas no século X, após as incursões magiares pelo território de Verona, em recuperação feita pelo Bispo Raterius, trazendo de volta os restos mortais de São Zeno, até então localizados no Duomo.

Detalhe da fachada da Basílica de San Zeno.

Casa de Giulietta

Este roteiro inteiro tentou convencer você de que o texto de Shakespeare não é o único elemento que deve trazer você a Verona. Porém, visitar a Pequena Roma e não passar pela suposta casa de Julieta pode ser considerado um breve desperdício. Mesmo que seja apenas para olhar sua parte externa, passe um tempo por aqui.

A Casa de Giulietta está localizada próxima à Piazza delle Erbe e não é das estruturas arquitetônicas mais bem elaboradas da cidade. Pode ser um passeio bastante interessante e até romântico. Passe um tempo contemplando a famosa sacada por onde se olhavam e conversavam o casal ficcional Romeu e Julieta (a própria sacada é o que podemos chamar de “falso histórico”, já que foi inserida por ali após o romance do escritor inglês ter sido publicado). Ou ainda observando as inúmeras cartas de amor deixadas no muro localizado no interior do pátio principal. Mas, lembre-se! Nem só da casa de Julieta vive Verona.

Sacada da Casa de Julieta, um dos “falsos históricos” mais famosos do mundo. Foto: Bayberry / 123RF

Foto de capa: Michaela Loheit / Flickr

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